A trajetória do regime tributário diferenciado atesta a sua contribuição à formalização e competitividade dos pequenos negócios e à geração de empregos no país
10 ANOS DO SIMPLES NACIONAL / Cadernos FGV
Bruno Quick
Gerente da Unidade de Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial do Sebrae Nacional
19/12/2016
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) publicou caderno destinado a comemorar os 10 anos do Simples Nacional, que foi debatido no último dia 15, durante evento realizado em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Um dos artigos é assinado pelo gerente da Unidade de Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial do Sebrae, Bruno Quick, que desde o início dos anos 2000 acompanha a mobilização pela criação da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa e do Supersimples.
RESUMO
Bruno Quick, gerente da Unidade de Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial do Sebrae Nacional
Bruno Quick: reflexão sobre os novos desafios do Simples Nacional / Foto: TCE-MT
Com a aprovação do projeto “Crescer Sem Medo”, é importante refletir sobre a evolução e os novos desafios do Simples Nacional, para que sua agenda continue a avançar. Existem ainda críticos que, muitas vezes baseados em estudos internacionais que não levam em conta a realidade brasileira, são contrários a esse regime de tributação. O artigo relata o trabalho realizado nos últimos dez anos pelo Sebrae para construir, legitimar e aprovar a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, com uma grande mobilização nacional fundamentada em diagnósticos aprofundados para formatar estímulos ao segmento em diversos temas, como compras governamentais, e nas três esferas do Estado brasileiro.
INTRODUÇÃO
Como um país pode fazer a emancipação de milhões de cidadãos em uma década? Uma resposta está na Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, que completa dez anos no dia 14 de dezembro de 2016. Nesse período, a proposta efetivou-se como política pública de Estado legitimada com a sociedade, abrindo as portas da economia formal para milhões de novos empreendedores. Fez o Brasil multiplicar por mais de quatro o número de pequenos negócios regularizados, saltando de 2,5 milhões para 11,5 milhões. Ao mesmo tempo, contribuiu para formar um tecido empresarial consistente e consolidar o segmento como o maior distribuidor de renda e gerador de empregos no país.
Tão relevante também foi a Lei Geral ter conseguido enfrentar o ceticismo de alguns formuladores de políticas públicas que ainda resistem em reconhecer os efeitos positivos do Simples Nacional, apelidado merecidamente de Supersimples. Ao reduzir a carga tributária dos que faturam menos, esse produto brasileiro, como a jabuticaba, proporcionou o avanço histórico da formalização e da competitividade dos pequenos negócios. Essa legislação teve uma trajetória de sucesso que não se fez por acaso. Envolveu um arsenal de estratégias e ações para efetivar o tratamento diferenciado aos pequenos negócios previsto na Constituição, mesmo 18 anos depois de sua promulgação.
Ainda há muito a caminhar. É inegável, porém, que a Lei Geral, incluindo o Simples Nacional, trouxe grande alento para as micro e pequenas empresas no que diz respeito à melhoria do ambiente de negócios no país. A Lei Geral acolheu uma massa de novos negócios que hoje provavelmente estariam na informalidade à espera de uma reforma tributária que nunca saiu do papel. Como resultado disso, o que ficou fora do Simples Nacional se manteve como complicado, com especial destaque para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), principal tributo estadual, e o seu intrincado mecanismo da substituição tributária para as empresas de todos os portes.
A política pública proporcionada pela Lei Geral está amenizando o peso da conjuntura atual desfavorável. Desde 2006, e mesmo na intensa crise econômica atual, as micro e pequenas empresas contrataram mais do que demitiram em relação às médias e grandes empresas.
Ao longo dessa década, 100% da expansão do estoque de postos de trabalho no país, ou seja, todo o saldo positivo nas contratações de trabalhadores com carteira assinada, aconteceu nas micro e pequenas empresas.
O RISCO DOS FALSOS PARADIGMAS
Vale lembrar que havia e ainda há administradores tributários alegando que a capacidade contributiva dos empreendedores não seria um problema porque, na prática, quem paga o tributo é o consumidor final. Daí passaram a defender que seria dispensável e contraindicado criar o Simples Nacional para que os menores pagassem menos. Nesses termos, acabaram por confessar um total desconhecimento da realidade do Brasil.
O empregador informal, que ainda representa uma parcela importante da economia no mundo real, não calcula o cumprimento das obrigações legais nos seus custos de formação de preço. A carteira de trabalho não é assinada, os tributos não são pagos e a contabilidade não existe.
Assim, quando um informal concorre deslealmente com uma pequena empresa, ele canibaliza o mercado, empurrando o preço para baixo. Então, o empresário regularizado não consegue repassar os custos das obrigações ao consumidor final. Começa sacrificando o seu capital de giro e, ao final, é compelido a se render também à informalidade. Isso porque está pagando o tributo que não consegue incluir no preço.
O problema é que muitos desses críticos se basearam em estudos de casos internacionais ou em abordagens estatísticas que não retratam a situação do país, de sua economia e da sociedade nas quais se inserem os pequenos negócios. Felizmente, a agenda avançou e ainda avança, como ocorreu no dia 27 de outubro de 2016 com a sanção presidencial da Lei Complementar nº 155, o projeto “Crescer Sem Medo”, a mais nova atualização da Lei Geral. Pelas novas regras, o Simples Nacional vai melhorar com uma tributação que atende a capacidade contributiva da empresa, desde o Microempreendedor Individual (MEI) até a transição para o regime do Lucro Presumido, numa escala progressiva e simplificada.
Chegar a esse momento requer uma reflexão sobre os passos da caminhada.
A REALIDADE DE 2000: O NOSSO PONTO DE PARTIDA
Um grande avanço no ambiente de negócios do Brasil começa a ser construído, no início dos anos 2000, para fazer valer os artigos 170 e 179 da Constituição, que asseguram tratamento favorecido por parte do poder público às micro e pequenas empresas nas três esferas do Estado nacional.
CABE REGISTRAR QUE COMPETE AO ESTADO
INTEGRAR A FEDERAÇÃO E NÃO FAZER COM QUE
O CIDADÃO, OU O CONTRIBUINTE, SE DIVIDA
PARA SE RELACIONAR COM TODOS OS ENTES
FEDERADOS OU SEUS ÓRGÃOS.
Naquele momento, o Brasil tinha acabado de vencer a hiperinflação, por meio da recuperação dos fundamentos macroeconômicos. Embora a inflação tivesse baixado a patamares civilizados, o país apresentava índices de desemprego muito elevados. Em 2001, segundo dados do IBGE, havia 7,950 milhões de desocupados, ou seja, 9,36% da população economicamente ativa.
Além disso, cerca de 17 milhões de empreendedores se encontravam na informalidade, além de uma grande parcela da população figurar na zona da pobreza e o estrato empresarial se apresentar concentrado, restrito a aproximadamente 3 milhões de empresas.
Como referência analítica, dentre outras, o Sebrae e seus parceiros tomaram por base o estudo “Eliminando as Barreiras ao Crescimento Econômico e à Economia Formal no Brasil”, elaborado pelo McKinsey Global Institute (MGI), em colaboração com o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV).
As conclusões mostravam quanto a informalidade contribuía para a perda de competitividade da economia brasileira e o distanciamento da renda média do cidadão brasileiro em relação à renda do norte-americano.
No estudo, a informalidade era tratada como “a execução de atividades lícitas de forma ilícita, devido ao não cumprimento pleno de leis e regulamentações que implicam custos adicionais”. Isso incluía o não pagamento de tributos, a falta de carteira assinada dos empregados, a desatenção às normas fitossanitárias e a ausência de licenças de funcionamento.
“Quando os custos para o pleno cumprimento das leis são elevados em relação aos riscos do não cumprimento, criam-se incentivos para as empresas entrarem e permanecerem na informalidade”, atestava o McKinsey.
O estudo atribuía às expressivas taxas de informalidade a cerca de 25% da diferença entre a renda média do cidadão brasileiro em relação aos norte-americanos.
UMA ABORDAGEM ESTRUTURANTE E SIMPLES
Portanto, era imprescindível conciliar formalidade com competitividade por meio de uma abordagem estruturante e simples, que remeteu a duas linhas de trabalho. Uma linha “horizontal” para envolver diversos temas, além do foco tributário, a exemplo da simplificação de registro e licenciamento, o uso do poder das compras governamentais, a fiscalização orientadora.
Outra linha “vertical” traçada para integrar toda a estrutura federativa, porque uma nova política econômica para o segmento tinha que atingir as três esferas do poder – federal, estadual e municipal – para efetivar-se como política verdadeiramente nacional.
Cabe registrar que compete ao Estado integrar a Federação e não fazer com que o cidadão, ou o contribuinte, se divida para se relacionar
com todos os entes federados ou seus órgãos. Esse quadro se agravou com a Constituição de 1988, que deu autonomia aos municípios para
fortalecer o caráter federativo dos entes da República. Era algo necessário dada a dimensão geográfica, a pluralidade e a diversidade do Brasil.
Os legisladores da Constituição acertaram ao valorizar os municípios, mas o Estado brasileiro não soube lidar bem com isso.
Em consequência, houve um processo de competição entre os entes que provocou uma fragmentação.
Isso obrigou o cidadão a se relacionar com vários Estados – o cidadão teve que se dividir para atender a essa divisão. Cada órgão instalou uma espécie de “puxadinho” de regras e códigos próprios, determinando o que se pode ou não licenciar, tornando o cumprimento das obrigações na parte mais cruel e mais ineficiente da máquina pública. Era tanta obrigação e tanta regra imposta a tanta gente que ninguém conseguia cumprir nem fiscalizar.
FAZER O SIMPLES REQUER TRABALHO
Superar essas dificuldades era fundamental para tornar a formalidade atrativa e fomentar a competitividade. Surgem, então, como questões
prioritárias a geração da renda e a formalização dos negócios. Steves Jobs (1955-2011), o criador da Apple, já dizia: “Simples pode ser mais difícil do que complexo.
Você tem que trabalhar duro para obter o seu pensamento limpo e torná-lo simples. Mas vale a pena no final, porque, uma vez que você
chegar lá, você pode mover montanhas.” Compreendeu-se que os pequenos negócios deveriam ser estimulados para enfrentar a informalidade e o desemprego e, assim, promover uma melhor distribuição de renda, capaz de combater a questão da pobreza. Nessa época, as iniciativas do Sebrae e dos seus parceiros eram muito centradas na questão tributária.
A partir disso, vem a ideia de todo um conjunto de medidas a favor do segmento, um estatuto de caráter nacional – e não apenas do
governo federal – capaz de fazer as micro e pequenas empresas competitivas na formalidade. Evidentemente, era preciso ter a questão tributária equacionada, porém era imperioso ir além e desenvolver medidas de estímulo para tornar a formalidade um bom negócio.
A BALANÇA NÃO SE ENGANA
Em 2003, a fonte de inspiração foi a grande descoberta do cientista inglês Isaac Newton (1643-1727), a Lei da Gravidade, que é medida
e comprovada por meio da balança. A lógica buscada era simples no sentido de criar uma legislação capaz de vigorar sobre todas as coisas,
como é a Lei da Gravidade. Assim, a balança foi escolhida como símbolo da estratégia para a construção da Lei Geral, porque comprova a
incidência dessa regra sobre tudo.
A ideia era mostrar que no Brasil a balança poderia tender favoravelmente à formalização e à competitividade dos pequenos negócios. O país
tinha que colocar mais peso, mais energia no braço dos estímulos do que no braço das barreiras. Seria preciso, por exemplo, aumentar o
acesso às compras governamentais, ao crédito, à inovação e à promoção do associativismo. E, de outro lado, diminuir a burocracia e a carga
tributária, restabelecendo, na linguagem empresarial, uma relação custo/benefício favorável à formalidade para as micro e pequenas empresas.
Foi então formatada uma proposta de lei com 14 capítulos. Dois deles, respectivamente, o terceiro e o quarto, tinham o objetivo de aliviar
a burocracia e a carga tributária. Os outros voltavam-se ao incentivo da competitividade dos pequenos negócios.
O MEDO DO NOVO
Mas o novo assusta, principalmente os que preferem copiar. Para esses, era inadmissível criar um sistema descomplicado reunindo oito tributos na mesma guia de recolhimento – seis federais (IR, IPI, CSLL, PIS, Cofins e INSS)1, um estadual (ICMS) e um municipal (ISS)2. Imaginem ainda, à época, usar a internet para cumprir as obrigações, inclusive a partilha da arrecadação
para os entes.
(1 ) Imposto de Renda (IR), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa de Integração Social (PIS), Contribuição
para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
(2) Imposto Sobre Serviços (ISS).
Além disso, havia uma estrutura de poder por trás do sistema tributário para conceder regimes especiais a determinados setores, negociar
politicamente essas condições e manter poder de fiscalização sobre todos. Em alguns casos, verdadeiros feudos que resistiam a compartilhar,
a racionalizar e a automatizar um sistema tributário integrado. Prova disso é que conseguiram manter e ampliar, por exemplo, a aplicação e a distorção da substituição tributária do ICMS.
Há outros temas sensíveis à inovação que sofreram grande resistência, como as compras governamentais, que na época movimentavam R$ 400 bilhões, constituindo-se um centro de poder. Outro ponto de resistência era o risco de responsabilização de seus operadores. Isso gera receio de mudança debaixo do guarda-chuva de uma pseudoeficiência da Lei das Licitações,
lei nº 8.666, de 1993.
A BARREIRA DA DISPERSÃO
De concreto, a pequena empresa, tomada pelas dificuldades, não tinha condições de “tirar a barriga do balcão” e, de forma organizada e
coletiva, fazer a defesa de seus interesses para buscar a melhoria do ambiente de negócios.
Em primeiro lugar, era preciso superar a dispersão dos interessados. Além dos 17 milhões de informais, a Receita Federal aponta que havia
em situação de inadimplência 1,4 milhão dos 2,7 milhões de micro e pequenas empresas registradas como contribuintes do Simples Federal,
uma experiência criada em 1996 como tentativa de vingar o tratamento diferenciado constitucional na esfera tributária.
Para agravar ainda mais, tendiam a buscar soluções pontuais para os problemas produzidos pelos cerca de 20 mil órgãos criados em
5.570 prefeituras, 26 estados, Distrito Federal e União para lidar com a legalização e o funcionamento de seus negócios.
NOSSA “JABUTICABA”
Portanto, era um desafio enorme construir uma dinâmica de trabalho que pudesse conectar nacionalmente as partes interessadas, tanto
do setor empresarial, quanto do setor público e mesmo da sociedade organizada, incluindo os institutos de fomento, de conhecimento e de
formatação de políticas públicas. Mas isso foi possível com estratégia de comunicação, articulação e muito trabalho.
Havia ainda outro problema. Os modelos tributários que referenciavam boa parte dos economistas e formuladores de políticas públicas se aplicavam a outras realidades muito diferentes da complexidade da administração pública e do sistema tributário brasileiro.
Seria necessária, então, a coragem para a construção de um sistema com a cara do Brasil, ao menos enquanto não for feita a sonhada
reforma tributária. Até lá, o Brasil vai precisar de uma “jabuticaba” tributária, única e eficaz.
A CONSTRUÇÃO E A LEGITIMAÇÃO DA PROPOSTA
Uma vez construída a estratégia de formulação da proposta, era preciso também legitimá–la. Ao mesmo tempo em que formulávamos o
projeto, nós fazíamos essa legitimação, porque esse é o elemento que distingue uma política pública de Estado de um programa de governo.
O programa de governo, ainda que faça leitura de necessidades, é um top-down (de cima para baixo), criado em gabinete e levado
ao usuário. A política pública é construída conjuntamente e legitimada pelo seu público. Esse foi o caso da Lei Geral.
Houve um trabalho intenso, possível com o apoio decisivo do Sistema Sebrae, que viabilizou em torno de 400 eventos, com 100 mil
participações presenciais, em uma grande mobilização nacional, organizando e documentando debates. Para isso, levou em conta
estudos realizados dentro e fora do Brasil sobre a dinâmica da economia e dos pequenos negócios, a realidade do Simples Federal e dos
Simples estaduais.
Criou-se a Frente Empresarial pela Lei Geral, liderada na época pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que presidia o Conselho
Deliberativo Nacional do Sebrae. Essa frente dos empreendedores se espelhava, dentro do Congresso, na Frente Parlamentar Mista da
Micro e Pequena Empresa.
Representantes de órgãos do Executivo e das instituições de fomento reuniram-se para debater esse processo. Especialistas de diversas
universidades também participaram da discussão, a exemplo das Pontifícias Universidades Católicas do Rio de Janeiro e de São Paulo,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da Universidade Nacional de Brasília e da Universidade de São Paulo.
O primeiro grande passo dessa mobilização nacional aconteceu em março de 2003, quando o Sebrae, o Movimento Nacional das
Micro e Pequenas Empresas (Monampe) e a Associação Brasileira dos Sebrae Estaduais (Abase) começaram a pavimentar a alteração
constitucional que permitiu abrir caminho para um sistema tributário unificado no país.
Três meses depois, foi lançado o documento “Justiça Fiscal às Micro e Pequenas Empresas – Proposta de Emendas à Proposta de Emenda
à Constituição (PEC) 42 para Impulsionar os Pequenos Negócios.”
Com isso, surgiu a proposta de introduzir, também no capítulo da Constituição Federal que trata do Sistema Tributário Nacional, a
possibilidade do tratamento diferenciado, simplificado e favorecido.
Foi então que, mesmo com certa resistência inicial, acontece um amplo movimento para tratar de temas além da questão tributária. O
Sebrae e suas unidades estaduais promoveram seminários em 26 estados e no Distrito Federal para discussão do tema “Reforma Tributária e
a Microempresa – uma questão de desenvolvimento e justiça social.”
Nessa primeira rodada, em 2003, houve a participação de 5.500 empreendedores, autoridades, parlamentares, lideranças de classes e formadores de opinião. Os debates serviram para colher e sistematizar propostas sobre o que seria tratado a respeito dos temas selecionados e da definição de micro e pequena empresa.
Em dezembro de 2003, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 42, que alterou o regime tributário nacional. O artigo 146 previu
a criação de lei complementar para tratar das normas gerais tributárias abrangendo o tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte e um cadastro nacional unificado de empresas.
Com a proposta aprovada, foi possível trabalhar por uma legislação nacional a fim de instituir o regime único de arrecadação dos impostos
e contribuições da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios para as micro e pequenas empresas, observando que esse
regime deveria ser opcional e com condições de enquadramento diferenciadas por estados. Nesse contexto, surge o Simples Nacional.
Além disso, o recolhimento deveria ser unificado e centralizado, e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes
federados imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento.
O passo seguinte foi a elaboração do projeto de lei complementar regulamentando a nova emenda e criando um novo Estatuto para a micro e pequena empresa, bem mais amplo do que o anterior. Para isso, o Sebrae atuou intensamente por meio de ações nos estados, recolhendo
opiniões e propostas dos empresários, além de ter realizado estudos e elaborado um anteprojeto condensando tais informações.
Em abril de 2005, houve um grande evento nacional, com a realização da “Marcha a Brasília pela Lei Geral”, que reuniu em torno de 4 mil
participantes. Isso foi possível porque, além do Sebrae e da CNI, a Frente Empresarial pela Lei Geral conquistou o apoio das confederações
nacionais do Comércio (CNC), da Agricultura (CNA), dos Transportes (CNT), de Dirigentes Lojistas (CNDL), das Associações Comerciais
e Empresariais do Brasil (CACB), dos Jovens Empresários (Conaje), das Micro e Pequenas Empresas e dos Empreendedores Individuais
(Conampe), além da Federação Nacional das Empresas Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas
(Fenacon) e do Conselho Federal de Contabilidade (CFC).
Estava em marcha o plantio da “jabuticaba” tributária.
Houve muitas dificuldades, sobretudo resistência corporativista dos fiscos, porque, nessa época, cada um dos entes federados buscava
sua autonomia de financiamento e ampliação do desempenho. Com isso, suas próprias políticas, obrigações e sistemas.
Apesar disso, a estratégia da legitimação foi exitosa. Em 14 de dezembro, foi sancionada a Lei Complementar nº 123/2006. No dia seguinte,
o histórico 15 de dezembro de 2006, a Lei Geral foi publicada no Diário Oficial da União e entrou imediatamente em vigor, 70
com exceção do Simples Nacional, o capítulo tributário da lei, que ficou para 1º julho do ano seguinte.
O novo desafio era a implementação. Para exemplificar, 37 mil contadores foram capacitados, em parceria com a Fenacon e com o apoio do Conselho Federal de Contabilidade, de forma a estarem aptos a atender seus clientes e a utilizar um sistema automático e online
de cálculo, de declaração e pagamento do Simples em um só procedimento.
O futuro chegara.
APRIMORAMENTO DE UMA LEI VIVA
O mais interessante é que a aprovação da Lei Geral em 2006 inaugurou uma série de sete aprimoramentos, transformando essa lei viva
em ciclo de melhorias contínuas. Também reabriu os prazos de opção pelo Simples Nacional e pelo parcelamento de débitos. Logo em 2007, a Lei Complementar Federal nº 127 instituiu algumas melhorias na Lei Geral, como a preservação de regimes tributários mais benéficos instituídos pelos estados em relação ao ICMS.
TAL QUAL A SOCIEDADE, A ECONOMIA
E OS NEGÓCIOS, O TRATO DO ESTADO
COM OS PEQUENOS NEGÓCIOS DEVE EVOLUIR.
Houve, nesse mesmo ano, a regulamentação pelo Decreto nº 6.204 do tratamento favorecido, diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações públicas federais de bens, serviços e obras.
Ainda em 2007, foi criada pela Lei nº 121.598 a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negó-
cios (Redesim), hoje Rede Simples, que simplificou e integrou o processo de registro e legalização de empresas e de pessoas jurídicas.
Em 2008, duas importantes conquistas foram alcançadas. A Lei Complementar Federal nº 128/2008, que criou as figuras do Microempreendedor Individual e do Agente de Desenvolvimento. Esse último encarregado de efetivar nas administrações municipais
a nova legislação dos pequenos negócios. Além disso, também em 2008, o Ministério do Trabalho e Emprego, o Inmetro e o Ibama regulamentaram o tratamento diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte nos casos de fiscalização orientadora.
Em 2009, surgiu mais uma revisão da Lei Geral, com a Lei Complementar Federal nº 133, que permitiu a inclusão do setor cultural no
Simples Nacional. Em 2011, em outra revisão da Lei Geral, a Lei Complementar Federal nº 139 aumentou os tetos de receita anual do Simples Nacional, que passaram de R$ 36 mil para R$ 60 mil, no caso do MEI; de R$ 240 mil para R$ 360 mil, no caso das microempresas; e de R$ 2,4 milhões para R$ 3,6 milhões, no caso das empresas de pequeno porte. Nesse mesmo ano, a Lei Federal nº 12.470 diminuiu a contribuição previdenciária do MEI de 11% para 5% do salário mínimo.
Houve mais um avanço histórico em 2014, com a sanção da Lei Complementar Federal nº 147, que universalizou o Simples Nacional, permitindo o acesso do setor de serviços e criando regras para restringir a aplicação da substituição tributária pelos estados.
Em 2015, foi aprovado o Decreto nº 8.538, regulamentando o tratamento diferenciado para as micro e pequenas empresas nas licitações públicas – tratamento que havia se tornado obrigatório em função da Lei Complementar nº 147/2014.
Em abril de 2016, foi sancionada a Lei Complementar nº 154, que alterou a Lei Geral para permitir ao microempreendedor individual
utilizar sua residência como sede do estabelecimento. Isso ficou permitido quando for indispensável a existência de local próprio para
o exercício da atividade.
Em outubro de 2016, foi sancionada a Lei Complementar nº 155, que, de imediato, permitiu o parcelamento em até 120 meses de dí-
vidas tributárias de 600 mil micro e pequenas empresas ameaçadas de serem excluídas do Simples Nacional.
Para vigorar em 2018, a nova revisão trouxe também outros avanços, a exemplo do aumento do teto de receita anual do Simples – de R$
3,6 milhões para R$ 4,8 milhões, no caso de micro e pequenas empresas; e de R$ 60 mil para R$ 81 mil, para microempreendedor individual
(MEI).
Outras novidades são a criação do investidor-anjo para empresas inovadoras, a inclusão das bebidas artesanais no Simples e dos prestadores
de serviços rurais como MEI. Ou seja, tal qual a sociedade, a economia e os negócios, o trato do Estado com os pequenos negócios deve evoluir. Para melhor.
OS NOVOS DESAFIOS
Mesmo com esses avanços, restam desafios, como corrigir o excesso de obrigações fragmentadas que comprometem uma parcela expressiva do tempo e da atenção dos empreendedores e ainda os obriga a contratar um contador cuja atividade principal é trabalhar para o Fisco.
Nesse caso, a esperança recai sobre a nota fiscal eletrônica, o eSocial e a Rede Simples. A própria estrutura e a tecnologia do Estado vão dar conta das obrigações e dos dados para atender a administração tributária.
Assim, o empresário ficará livre para olhar para a sua empresa, para o seu mercado, para o seu cliente, para a sua força de trabalho, para as novas tecnologias, e assim cuidar para que o seu negócio prospere. Se prosperar, paga mais, emprega mais, contrata mais e faz a economia
girar. Ele terá apenas que registrar sua empresa na Rede Simples, ter suas relações trabalhistas e previdenciárias resolvidas pelo eSocial e, do ponto de vista da tributação, sua única obrigação será gerar a nota fiscal eletrônica e pagar o imposto em dia. Só isso. Todo o resto o empresário devolve aos sistemas e aos servidores do Estado.
Essa é a revolução que vai tirar um peso das costas de economia brasileira e vai colocar os empreendedores em melhores condições para
desenvolver o país. Esse é o ponto da virada que temos de alcançar.
A Lei Geral tem se mostrado um processo pragmático, dinâmico e exitoso de alavancagem da economia brasileira por meio da capacidade
empreendedora de seu povo. Respeita o paradigma da prosperidade, no qual o que é bom para um deve ser bom para todo mundo. Essa experiência serve de inspiração para enfrentar outros desafios do Brasil em busca da justiça social e do desenvolvimento econômico
de seu povo. Tanto os empreendedores quanto o Sebrae estão dispostos a seguir trabalhando
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